Puxada por commodities, em especial pelo desempenho extraordinário do setor agropecuário, o superávit da balança comercial brasileira atingiu US$ 95,96 bilhões nos dados acumulados do ano fechados até 25 de dezembro pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex/Mdic). O quadro permite considerar como certo que houve saldo recorde em 2023. Um saldo de US$ 100 bilhões neste ano não é descartado por parte dos especialistas.
O superávit de 2023, a ser divulgado na próxima sexta-feira, 5, deve superar em mais de US$ 30 bilhões o último resultado anual da balança comercial, dado pelo saldo positivo de US$ 61,53 bilhões em 2022.
Para 2024, as estimativas de especialistas ouvidos pelo Valor vão de superávits de US$ 75 bilhões a US$ 92,8 bilhões. Mesmo o piso das projeções é quase US$ 15 bilhões superior ao do saldo recorde do ano passado. Trata-se de um resultado que, apontam especialistas, deve continuar trazendo contribuição fortemente positiva para as contas externas brasileiras no ano que vem.
“Tivemos um ano exuberante na balança comercial em 2023, marcado internamente por um desempenho muito positivo do ponto de vista agropecuário, que ajudou nesse recorde mas ajudou a compensar a queda de preços”, diz Silvio Campos Neto, economista da Tendências Consultoria. “O período de choques que elevou os preços globais em 2021 e 2022 foi seguido por um período de início de correção em 2023. Só que do lado das exportações isso foi compensado pelo grande aumento de volumes e muito em virtude da produção do setor agrícola”, prossegue o economista. “Claro que acompanhado pelo bom desempenho também a parte extrativa, outra vantagem comparativa importante do Brasil.”
A Tendências projeta saldo positivo de US$ 95 bilhões em 2023 e para o ano que vem, superávit de US$ 75 bilhões.
Ano positivo
“Teremos ainda em 2024 um saldo muito positivo, o que ajuda a manter a percepção de risco mais controlada por aqui. Temos nossos problemas fiscais conhecidos, mas pelo menos do ponto de vista de contas externas as coisas estão realmente bastante em ordem”, diz Campos Neto.
Dados da Secex mostram que a receita brasileira de exportação acumulou em 2023, até novembro, US$ 310,6 bilhões em exportações, 0,5% a mais que igual período de 2022. O volume, porém, aumentou 8,9% enquanto os preços médios cederam 7,1%. A alta foi puxada pelos embarques do setor agropecuário, que cresceram 22,8%, desempenho possibilitado pela safra recorde grãos.
Primeiro lugar na pauta brasileira de exportação, o volume embarcado de soja cresceu 27% até novembro e o de milho, 34,4%. Na indústria extrativa o volume subiu 18,7%, puxado pelo petróleo bruto, que avançou 24,9% e pelo minério de ferro, com alta de 8,3%, sempre de janeiro a novembro deste ano contra iguais meses de 2022.
Soja, petróleo, minério de ferro, açúcar e milho são, nessa ordem, os produtos brasileiros mais exportados em 2023. Os cinco produtos representaram 46% de todos as vendas externas do país até novembro.
Relatório da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) destaca que os 15 principais produtos exportados pelo Brasil são commodities. A entidade espera que as cotações médias anuais dessas commodities mostrem variações relativamente baixas em 2024 em relação a este ano, sinalizando cenário estável.
A projeção de balança comercial da AEB para 2023 é de superávit de US$ 96,19 bilhões. Para o ano que vem o saldo estimado é de US$ 92,77 bilhões, com alta de 0,6% na importação e queda de 0,6% na exportação.
Volumes um pouco menores
Para 2024, diz Campos Neto, ainda se espera algum ajuste residual de preços para baixo, o que deve afetar tanto exportações quanto importações. “O desempenho tão fantástico do agro também não deve se repetir. A expectativa é de uma certa acomodação da produção agropecuária, com volumes um pouco menores”, afirma o economista. “Esperamos queda de 1,3% do quantum total exportado pleo Brasil em 2024”, diz.
Para Paula Magalhães, economista-chefe da AC Pastore, fenômenos climáticos como o El Nino devem afetar a safra de grãos, mas não devem trazer uma mudança muito grande para a soja. “Estamos com visão bem benigna para as exportações.” Ela estima superávit comercial de US$ 100 bilhões para 2023 e de US$ 85 bilhões para 2024.
A expectativa, diz ela, é que os preços em dólares das commodities, considerando mais as alimentícias, não mudem muito em 2024. “O que se espera é uma queda de preço muito pequena, dado um certo arrefecimento global, mas nada muito brusco”, diz a economista.
Livio Ribeiro, economista e sócio da BRCG e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) destaca que o desempenho agro exportador em 2024 será relevante, embora menor que a de 2023. “No setor extrativo, de minério de ferro e de petróleo, não vejo grandes mudanças em temos de volume relação a este ano, embora a China esteja com problemas”, diz.
Compradores
Principal parceiro comercial do Brasil, a China absorve 30,7% das exportações brasileiras, seguida dos Estados Unidos, com 10,7% e da Argentina, com 5,1%.
A evolução da economia dos principais parceiros comerciais pesa na expectativa de redução de volume embarcado em 2024, diz Campos Neto. “Esperamos desaceleração nos Estados Unidos e na China e contração na Argentina, que deve passar por um ano de ajustes severos em 2024.” Para a zona do euro, destaca ele, há perspectiva de leve aumento da exportação, “mas algo muito próximo do que foi em 2023”.
Embora apontem desaceleração da China, os especialistas destacam que a economia chinesa prosseguirá crescendo e demandando commodities brasileiras.
Magalhães, da AC Pastores, lembra que mesmo em desaceleração, a China deve continuar demandando commodities agrícolas do Brasil, já que alimentos são menos elásticos às variações de nível de atividade.
Ela destaca também que o Brasil tem exportado maior volume de petróleo para a Europa, algo que também deve continuar sendo demandado dentro de um cenário de busca de fornecedores de energia alternativos aos russos, embora os chineses ainda continuem como compradores importantes da commodity.
“Projetamos crescimento de 4,3% ou 4,4% para a China em 2024”, diz Ribeiro. “A questão central é que estamos chegando em um ponto de virada da capacidade de crescimento potencial da economia chinesa. Ou eles têm um grande choque de produtividade que permita aceleração de crescimento no curto prazo para algo perto de 5% a 5,5% ou a economia naturalmente, por questões estruturais, perderá velocidade”, avalia.
Ribeiro destaca, porém, que quando se fala em China não se deve pensar apenas em delta de crescimento do PIB. “O que importa é a absorção versus tamanho. A China é muito maior do que no passado. Então a China crescer 4,5% hoje é uma realidade completamente diferente em termos de absorção do que seria há dez anos.” A BRCG espera superávit comercial de US$ 75 bilhões em 2024. A maior dúvida na balança comercial para o ano que vem, diz Ribeiro, está nas importações.
Importações
Do lado das importações, as projeções refletem uma esperada desaceleração da economia doméstica. “As importações já estão arrefecendo bastante na ponta, este ano, e a ideia é que no ano que vem elas não subam muito”, diz Magalhães.
De acordo com dados da Secex até novembro, a importação total brasileira caiu 12,1% em valor, com queda de 2,7% em volumes e de 8,8% nos preços médios.
“Devemos ter alguma recuperação porque como o efeito máximo da política monetária já passou e vamos sentir um efeito da queda de juros que começou em agosto, o que gera certa recuperação na demanda e nas importações”, avalia Magalhães. Esperamos aumento de quantum na importação com crescimento real da economia e não esperamos mais uma queda de preços como aconteceu em 2023. Então o valor das importações deve aumentar, mas não acreditamos que deve devolver tudo o que caiu, até porque no período anterior houve aumento em razão da inflação global.”
“O que se espera é uma ligeira recuperação das importações depois de uma queda razoavelmente grande observada em 2023”, diz Campos Neto, acompanhando a evolução da atividade econômica brasileira. A Tendências projeta alta de 1,5% para o PIB em 2024, que deverá seguir crescimento de 2,8% estimados para 2023.
Fonte: Globo Rural
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